"Se eu te disser
Periga você não acreditar em mim
Eu não nasci de óculos
Eu não era assim."
Correto, eu não nasci de óculos. Mas o fato é que eles acompanharam o meu dia-a-dia por metade da minha vida e, pelo visto, não vão me largar tão cedo.
Tentando revistar minhas lembranças do início da adolescência, me recordo do momento em que desejei usá-los. Me fascinava aquela certa aura de intelectualismo que sempre rondou a pessoa por detrás das lentes. Agora, tentando entender melhor alguns pensamentos e ações, me veio a pergunta: porque isso? Por que os óculos conferem um status diferenciado a quem os usa? Teriam os óculos o poder de deixar a pessoa mais culta, letrada, conferindo-lhe a aura referida? O que existe nos óculos que faz com que indivíduos, mesmo sem nenhum problema na visão, tenham a intenção de utilizá-los, pousando sobre as suas orelhas e nariz, esse artefato mágico da spiência?
Primeiramente, poderíamos pensar que no surgimento dos óculos (aproximadamente no sec. XIII), as únicas pessoas que tinham capacidade de corrigir problemas de visão eram as das classes mais abastadas. Dessa forma, as lentes estavam relacionadas diretamente ao poder aquisitivo e a capacidade financeira do seu portador.
Atualmente, muito mais do que um objeto para correção de deformidades visuais, as lentes transparentes (vale ressaltar que não estou tecendo comentários a respeito dos óculos de sol) são um acessório de moda, ou, como na maioria dos casos, motivo de escárnio infantil.
Tentando entender melhor a questão, lembrei-me de uma peça de teatro onde um dos atores comentava: "As pessoas não usam óculos porque são intelectuais, elas viram intelectuais pois precisam usar óculos!"
Não seria essa uma boa afirmação para o tema? Ao pousar sobre a face duas lentes revestidas por uma armação, a pessoa já assume: "não sou perfeito, meu aparelho visual não funciona como deveria". Dessa forma, uma postura de submissão em relação as pessoas que tem o globo ocular perfeitamente esférico já é assumida.
Além disso, as lentes funcionam como um anteparo entre as percepções externas e o universo interno, dificultando essa relação exterior/interior. Talvez por esse motivo, o estereótipo do indivíduo introspectivo, envergonhado e com dificuldades de relacionamento, seja sempre acompanhado por um par de lentes.
Entre prós e contras, ainda sou feliz com os meus óculos. Quando quero ver as coisas como elas são, pouso-os sobre o nariz, ou ainda utilizo lentes corretivas que não denunciam a minha deficiência. Mas quando pretendo ver as coisas de uma outra forma, mais difusa e menos "correta", ainda tenho essa possibilidade.
Talvez foi isso que Hebert Viana quis dizer:
"Se eu tô alegre eu ponho os óculos
E vejo tudo bem
Mas se eu tô triste eu tiro os óculos
E não vejo ninguém."