segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Sobre o início e o som

"Mesmo porque as notas eram surdas
Quando um deus sonso e ladrão
Fez das tripas a primeira lira
Que animou todos os sons"
(Chico Buarque - Choro Bandido)

Nenhum tema melhor para encetar o primeiro post do que o próprio início. Início do que? De tudo!
A pergunta que norteia as idéias abaixo relacionadas: haveria um início comum a todas as coisas?

Segundo os Hopis (tribo indígena norte-americana, situada na região noroeste do Arizona), as criaturas nasceram do diálogo entre dois deuses: o Deus do Sol "Masau'u", que estende seus poderes sobre o fogo e a morte, e a Deusa da Terra "mulher aranha". Dessa conversa entre um aspecto aspecto masculino (ativo) e um feminino (passivo), nasce o universo.

Na tradição egípcia, o Deus Atum sai das águas abissais e vai a uma colina, onde diz: "eu sou o Deus autogerado" isto é, um Deus que criou a si mesmo. O panteão só se torna completo quando Atum passa a nomear as partes do corpo, de onde as demais figuras divinas emergem. Em Memphis, ainda no Egito, o deus Ptah concebe os poderes do universo em sua mente (cérebro) e os trás a existência por meio da fala (boca). 

Na tradição Hindu o universo surge a partir da manifestação do absoluto (Brahma), que se subdivide em energia pura (princípio ativo, masculino) e espaço puro (princípio passivo, feminino). Do movimento da energia no espaço surge a matéria, que tem como primeira manifestação o som: "ÔM".
Em outro mito Hindu reforça-se a idéia da palavra criadora: no princípio só havia água, a água se aqueceu e nela surgiu um ovo. Após um ano Prajapati emergiu do ovo, e ao fim de outro ano tentou falar. Ela disse: "Bhur", e  essa palavra deu origem a Terra (plano denso). Ao pronunciar "Bhuva" deu origem ao céu (plano intermediário, o céu azul que vemos todos os dias), e ao dizer "Swaha" deu origem ao céu distante (plano mais elevado, o "mundo das idéias")

Na Gênese da tradição judaico-cristã temos: "No princípio era o verbo (...) Todas as coisas foram feitas por meio dele" (João, 1: 1,3). 

Podemos perceber nesses mitos cosmogônicos, que diferentes culturas concebem o universo como criado a partir de uma articulação da consciência, que assume a forma de som (palavra). Em um primeiro momento temos uma intenção criadora, que se materializa através do som, seja na forma de diálogo entre deuses, na forma de som puro (ÔM), ou na forma de nomeação de objetos: "E Deus disse: Faça-se a luz! E a luz foi feita".

Para o historiador romeno Mircea Eliade, os mitos são "modelos para a conduta humana e conferem valor à existência". O que tais mitos estariam nos dizendo? Talvez a criação de todas as coisas não sigam o mesmo "rito processual" da criação do universo?  Não seriam as coisas criadas seguindo esse mesmo padrão: Uma idéia que se adensa como matéria através da palavra, ou seja, do som?

O som é a primeira representação sensível (percebida pelos sentidos) de qualquer idéia. Antes que um objeto tome forma, físicamente falando (seja ele um tênis, um post no blog, ou o próprio universo!), ele já existe sonoramente.

Para os gregos a "Harmonia das Esferas Celestes" seria a base sonora da criação. Sobre esse som que apenas os iniciados teriam a capacidade de ouvir, e que os demais mortais sentiriam como "silêncio", estaria a origem. A "primeira lira que animou todos os sons" seria uma outra metáfora para esse som que precede a criação.
Para os Hindus o Pranava "ÔM" seria a primeira manifestação da força criadora. Em um caminho contrario, tal som levaria a pessoa que o utiliza a um "reencontro" com esse potencial genésico.

Agora, voltando  ao início (não do universo, mas do post mesmo), não teriam todas as coisas uma origem comum? E não seria o som esse código originário?

"Isso foi para você constatar o poder do som. Mais tarde vou-lhe ensinar sons para acalmar os animais e sons para afastá-los; sons para adormecer e sons para despertar; sons para curar e para matar; sons para produzir a concentração mental e outros para despertar energias adormecidas em você. Esta é parte da minha ciência. O verbo é um grande poder que está a nossa disposição. Mesmo as palavras que usamos para falar têm grande força. Tudo o que a nossa civilização construiu e realizou, partiu da palavra, pronunciada ou mentalizada. Antes de construir sua cabana, você disse: "Vou construir uma casa". Foi assim que sua habitação começou a existir." (DeRose, Eu me lembro)

Bom, reflexões suficientes para um início sonoramente conturbado...

5 comentários:

  1. Seu post me lembrou muito um livro que li esse semestre, chamado "Mitos de Criação", da Von Fraz, que explora densamente esse tema nas mais diversas culturas. Quando o li, mergulhei totalmente!
    Você é muito erudito na sua maneira de escrever, Thi, mas de alguma forma esse seu jeito consegue capturar o leitor. Gostei muito do seu blog, com certeza voltarei sempre.

    ResponderExcluir
  2. Valeu Alê!
    Você sabe que eu gosto muito dos seus textos! Agora só falta você publicar os outros mil que estão no seu arquivo não?!?!

    ResponderExcluir
  3. Oi Thi,
    Começar é sempre bom!
    Muitas vezes, começar nem sempre é a parte mais difícil... terminar o q começou é a grande vitória!
    Fiquei pensando nos poderes do som... No poder de acalmar, de agitar... no som do silêncio!
    E em como é gostoso ouvir o som do teclado qdo estamos escrevendo...
    Muiiiito bom o texto!!!
    Bjsss
    Ivone Alice

    ResponderExcluir
  4. Valeu Alice!!
    Estou vendo o seu blog também, mas ele já tá "bombando", vai demorar para ler todos os posts.. rs Abração!

    ResponderExcluir
  5. Legal você criar um blog! Eu criei um também, no começo queria escrever um monte de coisas, ficar olhando toda hora, é bem legal!!! Mas o tempo, sempre ele, me impediu de continuar com todo esse apetite... Pretendo retomar em breve as atividades! Sucesso no seu blog!!! Espero ver muita coisa legal por aqui!

    ResponderExcluir